2006/08/03

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  • Gisberta
  • Diario de Noticias [Portugal], 2006-08-03 # Eduardo Dâmaso, Editorial
O chamado "caso Gisberta", fórmula anódina de qualificar uma situação em que um ser humano foi agredido de forma selvática, lançado a um buraco nojento e abandonado conscientemente até à morte, conheceu uma sentença previsível, mas difícil de compreender.

A sentença, uma condenação dos adolescentes com idades entre os 13 e os 15 anos a internamentos de cuja dimensão verdadeiramente sancionatória se suspeita, é previsível porque à luz da lei o facto de serem menores condicionou todo o julgamento. Estão atrás da linha de imputação penal dos 16 anos e, por isso, o direito português e muitos outros ordenamentos por essa Europa fora preferem uma resposta de ressocialização à de uma sanção criminal. É próprio das sociedades civilizadas a fuga a uma visão trágica sobre o destino do homem na construção da sua autodeterminação. O tribunal acredita que é preferível dar uma oportunidade a jovens que não têm ainda consciência da fronteira entre a legalidade e o crime a encarcerá-los e transformá-los em criminosos irrecuperáveis.

Os problemas colocam-se quando se analisa o caso mais de perto. A descrição do sofrimento infligido a Gisberta feita pela própria sentença é chocante. Na- queles momentos não eram menores, estatuto puramente administrativo perante a lei, mas criaturas de uma bestialidade inominável. O seu comportamento à saída do tribunal, aliás, traduz a indiferença arrogante de quem não está arrependido e, pelo contrário, sente mesmo uma certa impunidade pelo que fez.

A diminuição da idade para efeitos de imputabilidade penal não resolverá nada, mas o Estado tem de rever toda a política de menores, a justiça tem de rever a sua linguagem, mecanismos de publicitação das sentenças e valorização da prova produzida. Tem de acabar o mero depósito de menores em instituições decrépitas e onde se respira um bafio salazarista. Tem de ser punida a maldade que se exprime em criaturas que circunstancialmente transportam rostos de criança. Há formas de punição alternativas à prisão e há países que há muito perceberam que não podem deixar banalizar o mal de consentir uma espécie de barbárie admissível desde que seja praticada por menores sobre sem-abrigo, homossexuais ou transexuais. Mas são países onde se trabalha a sério na aplicação e fiscalização das penas alternativas.

Não é admissível a eternização de uma atitude que se exprimiu de forma implacável neste caso e na sua sentença, ou seja, a ideia de que eles foram maus naqueles instantes, não são intrinsecamente maus, limitaram-se a fazer uma "brincadeira de mau gosto", são menores, vão para o internato. Perdão, senhores juízes, uma "brincadeira de mau gosto"!?

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